domingo, julho 05, 2009

Percebendo as eleições da "Instituição"

Luís Filipe Vieira, sócio nº 17.599 do FCPorto, venceu ontem as eleições do Benfica por uma margem esclarecedora, seguindo-se ao anúncio dos resultados, uma apoteótica recepção ao novo presidente, qual Ayatolah, promovida por individualidades que costumam normalmente ser beijadas por Paulo Portas durante as campanhas, e pontuada com uma demonstração de vigor do sócio nº17.599 do FCPorto, que distribuiu empurrões e palavrões por tudo o carregava uma máquina fotográfica. Outra revelação importante da noite foi feita por Vilarinho que, sem saber muito bem se RTP dizia respeito a uma estação de rádio ou a uma estação televisiva, anunciou ao Mundo que estava a ter um episódio de incontinência intestinal.

O clima de euforia perante a vitória, o discurso triunfante no qual foi mesmo usado o termo "cruzada", são sem dúvida elementos que causam estranheza se tivermos em conta todo o processo eleitoral, senão vejamos.

Perante os sinais crescentes da formação de uma oposição organizada e cabível, Vieira e os seus acólitos promoveram um golpe estatutário de modo a antecipar eleições e, desta forma, impedir a construção atempada de uma lista devidamente estruturada que pudesse competir contra Vieira nesta eleições (Hugo Chavez, rói-te de inveja!). Contudo, o pior foi quando surgiram notícias dando conta do convite endereçado a José Eduardo Moniz pela oposição. Aí Vieira tremeu! Curioso foi constatar que uma direcção demissionária e em vésperas de eleições continuou a contratar jogadores e mesmo um treinador. Fardo duro para uma eventual oposição vitoriosa...

Felizmente para Vieira, Moniz é uma pessoa razoável e, como tal, anunciou que não avançaria, justificando-se com o pouco tempo para estruturar um projecto ainda por cima numa altura em que já estavam assumidos compromissos que condicionavam irremediavelmente esta época. Ainda assim, para controlar os danos de uma futura candidatura de Moniz, surgiu logo no dia seguinte ao anúncio da recusa deste em avançar, uma reportagem providencial denunciando uma sórdida conspiração que, em última consequência, faria do Estádio da Luz um campo de cultivo de melão espanhol.

Ainda assim, surgiu uma lista concorrente encabeçada por um candidato que, ao longo da sua campanha, cheia de contradições e incongruências, revelou algo semelhante a 40% de Luís Filipe Vieira adicionados a 40% de Vale e Azevedo e a 20% de um artista de stand-up comedy.

Por seu turno, Vieira protelava o anúncio oficial da sua candidatura, algo que todos tinham já como certo, tendo lançado um tremendo precedente eleitoral: o tabu insipiente. Construiu entretanto um cenário de drama familiar e de sacrifício pessoal em torno da sua pessoa, segundo o qual de tudo abdicaria para salvar o Benfica desse perigosos bandidos que, de toda a parte, se erguiam para tomar de assalto a Instituição.

O seu discurso foi ambicioso: lançar finalmente as bases de um projecto vencedor, que passava por comprar grandes jogadores sem vender ninguém (à hora que ele dizia isto, Katsouranis já se passeava em Atenas). O objectivo passava por vencer um, dois, três campeonatos de seguida. Ora este objectivo já foi em parte cumprido visto que, em 2004/2005, o Benfica ganhou mesmo um campeonato de seguida... Ok, no ano passado também ganhou com um brilhantismo único a Taça da Liga e não sei mesmo se não ganhou até o Torneio Guadiana (deixei de me interessar por estas competições desde a extinção do troféu mais competitivo realizado em países sob a égide da FIFA: o Torneio Amizade).

Outro momento alto foi a interposição de uma providência cautelar baseada numa alegação de que a candidatura de Vieira seria ilegal. Obviamente que a observância pia da lei portuguesa só se aplica no Benfica quando esta tem o FCPorto como alvo de interesse pelo que esta providência cautelar foi pura e simplesmente ignorada pelo... chamemos-lhe peculiar... demissionário Presidente da Assembleia. Falamos obviamente de Manuel Vilarinho cujo consulado à frente do Benfica ficou marcado por uma das decisões mais determinantes da história do futebol português: demitir José Mourinho para que este fosse passar o tempo a Leiria antes de levar o FCPorto ao topo da Europa.

O acto eleitoral do Benfica lá se realizou, de forma sobejamente democrática como se sabe, com o candidato oposicionista a ter de ir votar escoltado pela polícia e guarda-costas privados, e com os sócios mais antigos a terem direito a 20 votos. Num aparte, atrevo-me a dizer que, com este sistema eleitoral democrático dos 20 votos, o PCP arriscava-se a formar Governo em Portugal. O resultado, esse, foi exactamente aquele que era esperado desde que Vieira persuadiu os órgãos sociais a demitirem-se. Ainda assim, foi pintado como um triunfo dos paladinos da democracia e da justiça sobre os sombrios conspiradores que queriam tomar a instituição de assalto após uma campanha de baixo nível e incorrecção em que tudo havia sido feito para derrubar Vieira.

A nação vermelha aplaudiu de pé, plena de fervor clubístico e de alegria pela salvação da Instituição. Vieira entretanto, lá vai continuando, sobrevivendo aos lenços brancos que, no final de cada época, vão sendo exibidos em cada vez maior número. A culpa vai sendo sempre atribuída ao FCPorto e à perfídia dos seus dirigentes embora, pelo sim pelo não, se vão sucessivamente mudando os treinadores que se sentam no banco encarnado.

Acho que a diferença entre Vieira e outros líderes de democracias "musculadas" é que também Vieira faz uma gestão ruinosa das finanças e do património. Contudo, consegue sempre vender-se a si próprio como o salvador de uma crise que ele próprio vai construíndo e ser reeleito apoteóticamente pelo seu "povo".


Imagem adaptada daqui

7 comentários:

dragao vila pouca disse...

Meu caro Caetano, neste momento estou curvado, tiro o chapéu e faço-te uma vénia. Muto bom, parabéns!
Belluschi - mais Valeri? - que achas?

Um abraço

Alexandre (azulinvicto) disse...

Mas é bom que haja todo este arraial à volta das eleições do slb... assim temos a certeza que a queda deles será ainda maior... com Vieira no comando podemos ter a certeza que ainda não é deste que nos irão fazer frente...

Jamais aceitaria que no FC Porto houvessem eleições com episódios tão bizarros como no clube do milhafre...

É aqui que se vê a seriedade e profissionalismo dos clubes... e nem vale a pena falar da afirmação de Manuel Vilarinhho (como aquilo já foi depois do jantar, ele já tinha bebido alguns canecos de tinto).

Saudações Portistas!

Wilson GS disse...

muito bom texto.

um abraço portista

Visconde disse...

Vieira é o Messias tão aguardado pelos galinaceos...demorou, mas chegou...à 6 anos atrás!!!!

Deixa-os lá gastar em paz mais 25M€ para garantirem o 3º lugar...

Jorge disse...

é o habitual, uma democracia...de moca :)
excelente texto!

GaCoMoSi disse...

Muito bom, Caetano!!!

Muito bem pensado e escrito!

Viva o Vieira...cheguei a temer o pior com aquelo providência cautelas...mas assim teremos os Benfas mais 4 anos a rastejar!

Saudações

David Caetano disse...

Parem com isso, pá! Vocês estragam-me! ;) Foi a constatação possível daquela rábula mascarada de processo eleitoral. O clube da margem sul da 2ª Circular continua a ser uma fonte inesgotável de risota e, pelos vistos, assim vai continuar.

Quanto às contratações deles, citando ViraVinho, estou-me cagando. Tenho a sensação que o Cristiano Ronaldo no Benfica rendia menos que o Benítez no FCPorto...